Monday, May 01, 2006

Das Vicissitudes da Caneca Vermelha
Nesses anos todos, sempre esteve presente a caneca vermelha de ágata, plena de café. Assistindo a tudo. Estudos, relatórios, provas da Faculdade, noites em claro, reuniões de pesquisa, projetos, prova de residência, estudo de italiano, seminários de psicoterapia, tudo. Esvaziando-se, e cheia novamente. Compareceu aos momentos mais enfadonhos, mais intensos, mais frustrantes, mais exaustivos. Estava ali. Estudou comigo todas as cadeiras da Faculdade de Medicina, e principalmente farmacologia, da qual participou ativamente na busca dos meus conhecimentos...Resumos e resumos coloridos, e a caneca vermelha ali. Medicina Interna, Cirurgia, provas finais do estágio de Doutoranda, reuniões do grupo de estudos. Uma coisa séria, de se respeitar, o papel da caneca.E a minha receita de café batido: forte, negro, doce. Na caneca vermelha de ágata, tinha que ser. O milagre do despertar...
Seis anos de intensa participação. Se formou comigo, a caneca. Tantos e tantos momentos esteve ali. Eu poderia resgatá-la do fundo do armário, estaria ali quando eu precisasse. Mudou-se de lar umas três vezes, e sempre ali. Assistiu choros, risos, grandes satisfações, aprovações em monitoria, angústias todas. Sempre o café na caneca, quase um mascote de minhas atribulações. Entrou na roda dos personagens tradicionais, o café batido. Duas colheres e meia de Nescafé, três colheres de açúcar, e um tantinho de água que dê pra bater, sem enxarcar a mistura. Bater com vigor, até ficar amarelhinho, bege, cremoso. Suntuosa mistura de estimulantes, um creme farto, pomposo. Coloca-se um pouco d´água quente, uma mexidinha rápida e completa-se com a água até a altura da caneca vermelha de ágata. E essa receita atravessou os tempos, assistiu mudanças, novos empreendimentos. Aos poucos, a caneca foi sendo substituída por xícaras menores, mas eu sempre soube que o café não teria o mesmo gosto. Bom mesmo era o da caneca vermelha de ágata. Já lascada pelo uso, mas sempre ela. Bom mesmo era ter a sensação de sorver o café forte, doce, quente, pelas bordas queimantes da caneca, bordas pretas, contrastando com o vermelho intenso. A alça da caneca, de cor preta- em forma de alça de caneca, mesmo- também queimava, dando o tom do momento. Lembro, ainda. Abandonar, não abandonei. Em momentos essenciais, só a caneca vermelha. Nem xícara, nem qualquer outro continente capaz de guardar meus anseios, em instantes de atividades compenetradas . Tarefas árduas, que requerem de mim um empenho avassalador, essas merecem a caneca vermelha de ágata, um símbolo autêntico dos meus laços mais antigos com o trabalho. Quase uma instituição.
E se tivesse que parabenizar alguém hoje, pelo Dia do Trabalho, seria a minha caneca vermelha de ágata, essa merece...
Betina Mariante Cardoso

1 comment:

Lucas Fabbrin said...

Gostei. Bonito. Talvez também pelo fato de eu ter uma coleção de canecas.