Me assustei. Numa defesa de Tese de Doutorado, esta manhã, a sensação era de que o cenário tinha virado pesadelo. A Doutoranda apresentou a tese, o clima parecia o mesmo de sempre. A, no final. Abraços, elogios, comentários e posicionamentos suaves, críticas emolduradas em sorrisos. Parecia. Os integrantes da banca começaram a falar, e o clima continuava parecendo. E o céu começou a escurecer. Um dos integrantes posicionou-se contrário aos pontos apresentados pela candidata, e, com uma discussão bem fundamentada, fez trovejarem os semblantes da sala, uma nebulosa de silêncio e expectativa. Eu olhava, escrutinando, todas as expressões da banca, cada um sentado ali toranava-se personagem de minha mirada. E fui me assustando, pela real modificação no olhar, pressão dos lábios, contração dos músculos da face, enrugamento da testa. De cada um. Vezenquando, surgia um olhar mais perplexo, outro inquisidor. Olhares à candidata, ao escrutinador, aos outros juízes daquele instante. E também um lugar reservado à ironia. Aquela mesma, dissimulada, forjada em traços do rosto que se escondem, mas sorriem ao olhador. O que falava prosseguia em marcha, num ritmo pontuado pela robustez de suas afirmações, pela tonalidade explícita de suas apreciações. Percorria com pausas sérias sua fala grave, levava tons mais enfáticos aos seus propósitos de julgador. Tornava a cena, antes solícita e agradável, em uma figura de temporal. E não só na expressão dos juízes: os expectadores, cada vez mais surpresos com a circunstância, adiavam seus compromissos, mexiam-se nas cadeias, decidiam ir embora mas ficavam ali. E, participando de cena insólita, perscrutavam as respostas da candidata, revolviam-se em olhares pela sala, imaginavam resultados perplexantes, estrondosos. Impassível, um dos sentados mexia na perna direita, num vai-vêm angustiado. Porque as críticas realmente eram cabíveis, justas, meticulosas, pontuais. De objetividade invejável. Mas colocavam à prova a realização das expectatias da candidata, que foi murchando, erguendo-se em si mesma e murchando de novo. Todos ali: na platéia, na mesa da banca juladora, e diria até as próprias cadeiras, não cabiam em si. Misto de apreensão e curiosidade, de interrogação e reticências. Talvez precipitada pelo anúncio, prévio às avaliações, de que numa ocasião de defesa de tese em Doutorado os resultados ainda estão em suspenso. Dependem das apreciações da banca. Isso tornou vívida a tonalidade expectante dos rostos ali, dos corpos que se moviam inquietos, das fantasias de cada um, que pairavam sobre a cena. Infelizmente, saí antes de acompanhar o desfecho. Também segurava o relógio, pro tempo não passar. Para que não chegasse o momento em que eu precisasse sair, sem ver o final. A verdade é que o escrutínio assume papel de curiosidade, perverso até. Desejo de ver até onde pode chegar o inusitado. Desejo de perceber o auge dos semblantes no resultado final, a incoerência entre a perplexidade com a verdade dos fatos e a doce hipocrisia que permeia a atmosfera. A dúvida dos que assistiram a cena, se foi isso mesmo, não só impressão. Diria que o inusitado foi o comprometimento do julgador com a realidade dos fatos. A austeridade das críticas, firmes, contundentes, com valor de construção. A quebra de expectativa das cenas em que tudo sai bonitinho, A no final, e o posicionamento autêntico de um juiz em seu ofício. Mas no fundo, bem no fundo, um lamento, um desgosto, um repuxo. Parece que, ao falar a verdade, o julgador "estragou a cena", e não dava pra regravar. Sairia assim mesmo, nas memórias de quem assisitiu. Sem retape. REW ou FFW, uma cena de perplexidade. Onde ficam evidentes as farsas, onde posicionar-se com o rigor necessário causa desconforto ao expectador. Fiquei me perguntando o porquê, mirabolando as texturas da cena, durante o dia. Volta e meia, estava lá, revisitando os semblantes da manhã. E tantas coisas me ocorreram, investigando impressões, franzires, arregalares. Cabeças baixas, como que pra não escutar. E foi ontem, mas ainda permeia minhas linhas.
Betina Mariante Cardoso
No comments:
Post a Comment