Thursday, June 01, 2006



De volta ao Diário Pisano...

Dia primeiro de junho foi o dia em que iniciei o estágio no Servizio di Psichiatria do Cassano. E um dia pra lembrar. Já tinha ensaiado a ida tantas vezes, conhecido o percurso, mas o dia é o dia. Café no Ussero, trajeto pelo Lungarno, Via Roma, Via Savi,Via Bonanno, em passos firmes. Ensaiar a chegada dias antes.Chegar. Chegar o dia.
Entrei no Serviço, fui perguntando. Esperei em uma sala, esperei, esperei, esperei. Olhei livros nas estantes.Esperei. Me impacientei, sem outra saída. Seguia esperando. Aquela senhora que me indicou onde esperar nem entendia o que eu fazia ali. E nem eu. Mas esperava. Fui à sala do Cassano, e fui de novo. Me apresentei à secretária, que não disse muito. me perguntei por que estava ali, afinal de contas. Por que tinha quebrado os dias normais da minha rotina pra atravessar um mundo até ali. Por que tinha ido até ali? Mas agora que estava ali, esperaria. Existem momentos estranhos, em que nem mesmo temos tempo de perguntar a nós mesmos se tal coisa é a decisão mais justa. Um desses foi ver o Cassano passando pela minha frente, numa das minhas tentativas de passar pela sala dele. Sem chances de refletir, parei na frente dele e me apresentei. Atencioso, me reconduziu à sala onde eu já permanecia, desde cedo. Eu ri, então. Sozinha, retornando à cadeira de esperar. Aquilo fez valer o meu dia. Não apenas ter conhecido pessoalmente aquela figura, mas o fato de, em não sabendo o que fazer, optar pela ousadia. E arriscar, num pequeno segundo em que me via em frente a ele. E este momento já tinha ocorrido no Aeroporto de Roma, no vôo para Pisa, quando vi que ele mesmo, Dottore Cassano, estaria no mesmo vôo que o meu. Mas naquele momento, assombrada pelo medo de tudo e pela falta de oportunidade, me escondi. Não sei do que, se a tal figura nem imaginava quem eu era. Pois bem. Repetida a cena, aquele era o momento. E realmente. Após esperar um pouco mais, depois de já ter esperado tanto, o próprio Cassano veio à sala e me perguntou se eu estava ali por atividade de Clínica ou de Pesquisa. Respondi que por ambos, mas que a Clínica me interessava mais. me acompanhou pelo Day Hospital, fazendo as devidas apresentações e recomendações de que eu fosse bem atendida ali, que tinha vindo de longe. Era estranho. Me via num turvamento, como sensação daqueles sonhos que temos logo ao acordar, sensação entre o sono e a vigília. Mas era fato. Estava ali. Fui ao setor de Internação, acompanhada por um dos "primarios", como um supervisor. acompanhei o Round, feito pelo Chefe. Ainda sem graça, meio estranha à situação. Mas estava ali, justamente encontrando o que tinha ido buscar. E aquele era apenas o início. Já era um bom início. À tarde, retornei ao Hospital, pra olhar prontuários. Queria ver como escreviam, os roteiros de anamnese, os termos técnicos. Me apoiar em arsenais seguros, como a técnica de entrevista, o "linguajar", a sensação conhecida da sintomatologia, dos tratamentos. Disfarçar o medo daquilo tudo, daquele novo tão novo. O medo e o encanto, no primeiro dia. Aqueles olhares de estranheza de todos: "por que ela atravessou tudo isso pra vir até aqui?". Eu sei, também me perguntava isto. Mas sim, hoje sei o valor daquele momento, que na ocasião tinha formato de ponto de interrogação pra mim. De tudo, o que fica deste dia foi a oportunidade de passar pelo Cassano, em frente à sua sala, e cumprimentá-lo. E o dia primeiro de junho tem esse tom de alegria pra mim. Da hora certa de ousar. Como atravessar a Ponte di Mezzo e dar um passo avante.
Betina Mariante Cardoso
01/06/06

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