Saturday, April 22, 2006

Pois que fui na feirinha. Vários legumes e verduras sem agrotóxicos, várias delícias espalhadas, aquela coisa de pegar um pastelzinho de ricota e sair andando, dái mais um pouco um suco. Aquele sol de sábado, todas aquelas impressões. E os assuntos...
Duas vendedoras de banquinhas vizinhas conversavam, vendiam panos de prato com bordados. Passando pela José Bonifácio, dois Brigadianos com um rapaz. A primeira vendedora: "Prenderam ele? ", ao que responde a segunda, num tom de gravidade: "Não. Ele está solto. Ele foi solto há quatro anos. Ele é um assassino. Ele MATOU o Maníaco do Espeto." A ênfase assinalada pelas letras míúsculas, e pelos pontos finais, marcam exatamente o ritmo de suas frases, com pausas sérias, compenetradas. Mas a forma como a senhora fez sua apreciação, além de muito portoalegrense, trouxe um personagem muito interessante ao meu imaginário, o tal Maníaco do Espeto. Talvez pelo tom com que ele foi apresentado, o assassinado, mas principalmente por seu ofício, um tanto peculiar. Do espeto?
Foi cena intrigante, aquela. Ficamos depois elocubrando...o personagem citado, o outro- o que assassinou- e o diálogo das vendedoras...E que bem informada, a que contou. Mas não só contou: convenceu, apresentou dados, narrou o primeiro parágrafo de uma história, que poderia ser muito interessante. Fiquei com vontade de sentar ali pra escutar, muito provavelmente continuaram as duas a tagarelar sobre o tal homem, o que andava junto aos Brigadianos. E por uns minuitos a história prosseguiu na minha idéia, pois perdemos a parte em que a polícia chegou, os murmúrios curiosos dos vendedores das outras bancas, dos passeantes, a curiosidade pelo fato em si. Mais curiosa eu fiquei pela história toda, o assassino, o assassinado, o crime que matou o Maníaco do Espeto. A história anterior: o que fazia, quem era aquele que recebia título tão particular? Todas essas perguntas me tomaram, as idéias me arrebataram, parecia tema roubado de literatura...Lembrei de Tzvetan Torodov, que escreveu "A tipologia do Romance Policial", em que define três tipos deste Romance: Romance de Enigma, Romance Negro e Romance de Supense. Nos três tipos, as narrativas se interpõem, com importâncias variadas, entre os crimes e acontecimentos da investigação, despertando no leitor desejo de conhecer todos os meandros que envolvem a história. Muito interessante, mas merece um post só pra explicar...
Eu ali, não leitora, mas ouvinte, fui apresentada a um Romance Policial de tonalidade intensa, séria, pelos conhecimentos robustos da narradora sobre o fato.
A coisa é que tergiversava comigo mesma, brincava com os personagens, mirabolava crimes do Maníaco do Espeto. Fui interrompida por um novo diálogo, que passou por mim, atravessando meu raciocício. Uma moça que passava balbuciou à amiga, num tom baixo, ruminativo, suspiroso: "Juntei um terceiro arrependimento agora...". E é claro que nova história chamou minha interrogação.
E assim foi meu passeio. Entre árvores, sol, delícias da feira, tantas narrativas. Entre um diálogo e outro, sobrevoava minha curiosidade, até o próximo, por todos os tipos que passavam por ali. Outras conversas eram entabuladas pelos que, cuidando de suas bancas, se entretiam com histórias alheias, contavam impressões, emitiam juízos. Conversas de um sábado de sol.
Mas bem que dariam boas escritas...
Betina Mariante Cardoso

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