Longos e Black-Ties
Preparava-se pra estrear vestido novo em festa de longos e black-ties. Trajada de piquenique. Às costureiras explicava que era de praxe, tentava desenhar o corte, a largura do xadrez, o tom de vermelho. Nada. Chapéu de tule, fitas e lenços ventosos. Ninguém se convencia. As mucamas, contrariadas, decidiram. Não passariam o vestido. Vergonha. Mesmo assim, estaria à paisana.
Na cesta, um lenço de cetim azul. Pra mudar o tom durante. Salto-alto de verniz, vermelho como o do xadrez. Tecido capcioso, o do traje. Vestido inteiro, mostrava no croqui. Alcinhas, dois botões no busto aparecendo, e uma queda suntuosa, sem quebrar o movimento regrado do xadrez. Queria esticar-se sobre o tecido, ao deitar na grama. Não teria grama, contestavam as costureiras e mucamas, quase em motim. Não ficaria bem, era outro tipo de festa. Retrucava que a textura era tudo. Textura de traje de piquenique.Descobrissem. Mandassem buscar o corte. Pois bem. Era a dona da casa.
Confusão deu na hora de mandar fazer os convites. Traje? Longos e black-ties, mas a dona vai estar de piquenique, diziam as fofoqueiras da casa. Ora-bolas. Como assim? A notícia se espalhou. Mandou buscar uma seda caríssima, dizia uma. Chapéu em tule escandinavo! Tule escandinavo? E com detalhes em copo-de-leite. Vai jogar buquê de copo-de-leite? Não, é bodas. Não tem buquê em bodas. Não é festa de bodas. Aniversário, será? Só diz a data, local e traje. Horário convencional. Não diz se é pra levar presentes, se tem lista. Não tem nem nomes no convite. De quem é a festa? Quero ir.
Dizem que a dona vai vestir modelo tafetá em piquenique, xadrez vermelho desenhado por estilista italiano. Só podia. Ela é a dona da casa, pode. Não pode, dizem as costureiras, ofendidíssimas. Revelaram o segredo, de propósito. Era pra ser surpresa, inusitado, caleidoscópico. Mudaria de tom com o lusco-fusco da festa, dos pisca-piscas, do lenço azul. E o tule, que deixaria passar a luz, em jogos de sedução. Cabelos soltos, escuros, sob fitas de um tecido mole. Tudo pronto, mirabolado. Um xadrez mambembe, vermelho.
Era um longo, como mandava o figurino. Porém campestre. E era segredo. Não era mais. Tudo revelado, todos comentando. Colunas sociais, manchetes no diário da cidade. Fofocas. Piquenique, estava decidida. Mas...Não tem mas. As mucamas enlouqueceram: o vestido não amassava, não poderiam mais ameaçar. Os convidados, em dúvida, não sabiam pra quem ligar pra saber como mesmo ir à festa...Uns separavam já seus bermudões de verão, e as senhoras seus florais. Era o comentário. A soberba da cidade já caía, seguindo a ricaça original. Piquenique,mesmo? Ela enlouqueceu? Na igreja, missa de domingo anterior, ninguém prestou atenção no Padre. Preocupadíssimos em não cometer gafes, combinaram. Iriam de piquenique.
E o horário da festa...? Não cabe, contestavam as mais pudicas. Dizem que é transparente o xadrez, e que se ventar já viu. Parece que está bolando alguma coisa com as fitas do chapéu...Os senhores, os mais assanhados, olhavam com gostosura seus suspensórios e gravatinhas-borboleta. As donas de casa já combinavam cada uma de levar um prato, feito quermesse. Doce ou salgado, tinha na paróquia a lista de quem levaria o quê. A festa é na província, diziam uns, gente de posses, não precisa levar nada.
E a cidade organizou, naquela semana, uma grande festa. A toalha em xadrez verde prepararam as mais prendadas na costura, num ti-ti-ti sobre o pan-dan da toalha com o vestido da madame. E todos, que se preparavam para uma festa de longos e black-ties, chegaram cedo naquela manhã. Florais, petit-pois coloridos, trajes os mais alegres. Doces e salgados, baralhos de cartas, garrafas de vinho. E muita música. Acordaram a dona da casa, mandaram que se arrumasse pra festa, com tudo o que tinha direito. Chapéu de tule, laços, saltinho de verniz. Bom Dia, o que desejam? Mudaram o horário convencional, a festa seria de dia todo. Levanta, estão todos lá embaixo.
As mucamas nunca souberam explicar. Conta-se que dali em diante sumiram, cantando, carregando as cestas, as taças, puxando uns aos outros. Esticaram a toalha xadrez pelos campos, fizeram remedos com pedaços dos vestidos, pra esticar ainda mais. Prendiam no chão com os suspensórios, pro vento não levantar. E foram seguindo, junto com a toalha, o tecido da dona da casa. A cidade, perplexa, desabitada. Lá longe, sombras dos bordados e chapéus, da cantoria e do vento.
Na cesta, um lenço de cetim azul. Pra mudar o tom durante. Salto-alto de verniz, vermelho como o do xadrez. Tecido capcioso, o do traje. Vestido inteiro, mostrava no croqui. Alcinhas, dois botões no busto aparecendo, e uma queda suntuosa, sem quebrar o movimento regrado do xadrez. Queria esticar-se sobre o tecido, ao deitar na grama. Não teria grama, contestavam as costureiras e mucamas, quase em motim. Não ficaria bem, era outro tipo de festa. Retrucava que a textura era tudo. Textura de traje de piquenique.Descobrissem. Mandassem buscar o corte. Pois bem. Era a dona da casa.
Confusão deu na hora de mandar fazer os convites. Traje? Longos e black-ties, mas a dona vai estar de piquenique, diziam as fofoqueiras da casa. Ora-bolas. Como assim? A notícia se espalhou. Mandou buscar uma seda caríssima, dizia uma. Chapéu em tule escandinavo! Tule escandinavo? E com detalhes em copo-de-leite. Vai jogar buquê de copo-de-leite? Não, é bodas. Não tem buquê em bodas. Não é festa de bodas. Aniversário, será? Só diz a data, local e traje. Horário convencional. Não diz se é pra levar presentes, se tem lista. Não tem nem nomes no convite. De quem é a festa? Quero ir.
Dizem que a dona vai vestir modelo tafetá em piquenique, xadrez vermelho desenhado por estilista italiano. Só podia. Ela é a dona da casa, pode. Não pode, dizem as costureiras, ofendidíssimas. Revelaram o segredo, de propósito. Era pra ser surpresa, inusitado, caleidoscópico. Mudaria de tom com o lusco-fusco da festa, dos pisca-piscas, do lenço azul. E o tule, que deixaria passar a luz, em jogos de sedução. Cabelos soltos, escuros, sob fitas de um tecido mole. Tudo pronto, mirabolado. Um xadrez mambembe, vermelho.
Era um longo, como mandava o figurino. Porém campestre. E era segredo. Não era mais. Tudo revelado, todos comentando. Colunas sociais, manchetes no diário da cidade. Fofocas. Piquenique, estava decidida. Mas...Não tem mas. As mucamas enlouqueceram: o vestido não amassava, não poderiam mais ameaçar. Os convidados, em dúvida, não sabiam pra quem ligar pra saber como mesmo ir à festa...Uns separavam já seus bermudões de verão, e as senhoras seus florais. Era o comentário. A soberba da cidade já caía, seguindo a ricaça original. Piquenique,mesmo? Ela enlouqueceu? Na igreja, missa de domingo anterior, ninguém prestou atenção no Padre. Preocupadíssimos em não cometer gafes, combinaram. Iriam de piquenique.
E o horário da festa...? Não cabe, contestavam as mais pudicas. Dizem que é transparente o xadrez, e que se ventar já viu. Parece que está bolando alguma coisa com as fitas do chapéu...Os senhores, os mais assanhados, olhavam com gostosura seus suspensórios e gravatinhas-borboleta. As donas de casa já combinavam cada uma de levar um prato, feito quermesse. Doce ou salgado, tinha na paróquia a lista de quem levaria o quê. A festa é na província, diziam uns, gente de posses, não precisa levar nada.
E a cidade organizou, naquela semana, uma grande festa. A toalha em xadrez verde prepararam as mais prendadas na costura, num ti-ti-ti sobre o pan-dan da toalha com o vestido da madame. E todos, que se preparavam para uma festa de longos e black-ties, chegaram cedo naquela manhã. Florais, petit-pois coloridos, trajes os mais alegres. Doces e salgados, baralhos de cartas, garrafas de vinho. E muita música. Acordaram a dona da casa, mandaram que se arrumasse pra festa, com tudo o que tinha direito. Chapéu de tule, laços, saltinho de verniz. Bom Dia, o que desejam? Mudaram o horário convencional, a festa seria de dia todo. Levanta, estão todos lá embaixo.
As mucamas nunca souberam explicar. Conta-se que dali em diante sumiram, cantando, carregando as cestas, as taças, puxando uns aos outros. Esticaram a toalha xadrez pelos campos, fizeram remedos com pedaços dos vestidos, pra esticar ainda mais. Prendiam no chão com os suspensórios, pro vento não levantar. E foram seguindo, junto com a toalha, o tecido da dona da casa. A cidade, perplexa, desabitada. Lá longe, sombras dos bordados e chapéus, da cantoria e do vento.
Betina Mariante Cardoso
maio/2005
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