A personagem, uma acensorista. Cenário óbvio. Não só cenário do texto. Cenário da acensorista. Impossível imaginá-la enquadrada em outra moldura. Aquela. Elevador. Existe para o elevador. Quando quer, não deixa ninguém entrar, com alguma desculpa.Ou sem qualquer desculpa. Decide. Ali, ela decide. E os passageiros, meros transeuntes de um cenário só seu. Agora não entra ninguém. E não entra mesmo. O elevador vai descer primeiro, e mesmo que alguém ouse querer uma viagem mais longa, ela decide que não. Cena curiosa. Vezes, sozinha, deve fazer percursos do oitavo pro décimo terceiro andar, imaginando. Longos trajetos, de um andar a outro. Em permanente sobe-desce, percorre a si mesma. Hoje, em profundo suspiro, queixou-se da correria do dia. Correria vertical, pensei. E me pus a imaginar um dia inteiro ali, apertando botões. Abrindo e fechando portas. Só os outros entram e saem. Ela fica. Tem seu céu particular, um universo único a disposição. Gentes que vêm e vão. Elevadores cheios. Vazios. Só ela. Sobe. Desce. Desce.Sobe. Ningém sobe!Está descendo!E decide não passar ali de novo, pra quebrar a rotina.Ficar sozinha pra pensar.Ela. E sua multidão. Correria, Stress de elevador. Como deve ser o stress de elevador...? Interessante que a moça pertence àquela figura, parece moldada à argila naquele banco. Precisa decidir. Subir ou descer. descer primeiro e subir depois. Ou vice-versa. Imersa na luz opaca. Som abafado. Várias vozes, conversas, cenários outros. Que ela ouve, vê. Dá bom dia se quiser, mas vezes nem bom dia quer dar. Certa vez, chorava copiosamente. Só eu no elevador. Que cena. Mas admira sua intimidade com aquele percurso. E a queixa da correria. Impacto. Correria? Eu por alguns minutos me vi imersa em sua correria, esquecendo a minha. Imersa em cenário insólito, onde falta figurino, trilha sonora, personagens. Nós, figurantes. Ela, monólogo. Enredo? Nada muito peculiar que mereça um conto, mas espichei um olhar além, observando aquele universo só seu.
Betina Mariante Cardoso
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