Thursday, July 27, 2006

Esqueço por uns dias da rotina, que fica inscrita no hipertexto. Ali. Na volta, se me desmemoriar de todo, acesso palavras chaves que me levam aos textos de mim, me relembrando do lugar onde sento no café, o que como nas terças ao meio-dia, antes de correr para algum outro lugar. Ali, tudo escrito. Horários a serem seguidos, desatinos, destinos. Seqüências. Esqueço de mim por uma semana, e lembro depois. Sem hábitos. Desabitada. Meu hipertexto sabe segredos e paradoxos, nexos causais e total ausência de nexo.Eu, protagonista, desconheço as próximas linhas.Continuidade descontínua. Continua acontecendo em rotina subjacente. Novos parágrafos. Num clique em link desconhecido, nova janela com demonstração de rotina temporária se incorpora.Fotografia. Sou eu, e não sou, fora da rotina do hipertexto. Fora do hipertexto da rotina. Fora de mim. Fora de casa. Fora da frase.
Palavra solta.
Betina Mariante Cardoso

Sunday, July 23, 2006

Já sei que amanhã acordo às 6:00, tomo o café da manhã e saio para o dia. Cenários os mesmos, e outros. Personagens. Trilhas sonoras. A seqüência de trajetos, frenéticos, me transporta. Quase anestesiada, me deixo conduzir. Já sei do pra-lá e pra-cá, de onde ir primeiro e pra onde andar.Vou andando. Hábitos. O Café na esquina da rua tal com a rua tal, o trajeto menos engarrafado ao meio dia. Horário de almoço. A rotina emoldura o dia, e me sinto personagem de mim. Para o capítulo de amanhã, não consegui decorar as falas...Improviso. Hipertexto? clico numa hora do dia, e nova janela abre meus diálogos. Sem seqüência. Clico, e alguns hábitos aparecem em lista. Deleto. Improviso cenários, discursos, fundos musicais ondulados. Improviso hábitos, reconstruo alguns. Desconstruo a lista, inverto a seqüência. Confundo. Sem hábitos. Nua. Caminho sem saber pra onde vou, montando mapas com os passos. Logo, sigo os passos e acabo chegando aos mesmos lugares, quase sem sentir. E nova rotina. Como se escreve?Parecemos alheios, e sem perceber fazemos parte de novos textos, que mesmo esquecemos de onde surgiram. Hipertexto.
Confira a seguir...
Betina Mariante Cardoso

Tuesday, July 18, 2006

O Hipertexto da Rotina

Glossário


Hipertexto:Forma de apresentação ou organização de informações escritas, em que blocos de texto estão articulados por remissões, de modo que, em lugar de seguir um encadeamento linear e único, o leitor pode formar diversas seqüências associativas, conforme seu interesse.

Seqüência: Ato ou efeito de seguir; seguimento, continuação; série, sucessão.

Rotina: Seqüência de atos ou procedimentos que se observa pela força do hábito.

Hábito:Disposição duradoura adquirida pela repetição freqüente de um ato,uso, costume.

Fonte: Aurelião

Confira a seguir...

Betina Mariante Cardoso

Monday, July 10, 2006

A personagem, uma acensorista. Cenário óbvio. Não só cenário do texto. Cenário da acensorista. Impossível imaginá-la enquadrada em outra moldura. Aquela. Elevador. Existe para o elevador. Quando quer, não deixa ninguém entrar, com alguma desculpa.Ou sem qualquer desculpa. Decide. Ali, ela decide. E os passageiros, meros transeuntes de um cenário só seu. Agora não entra ninguém. E não entra mesmo. O elevador vai descer primeiro, e mesmo que alguém ouse querer uma viagem mais longa, ela decide que não. Cena curiosa. Vezes, sozinha, deve fazer percursos do oitavo pro décimo terceiro andar, imaginando. Longos trajetos, de um andar a outro. Em permanente sobe-desce, percorre a si mesma. Hoje, em profundo suspiro, queixou-se da correria do dia. Correria vertical, pensei. E me pus a imaginar um dia inteiro ali, apertando botões. Abrindo e fechando portas. Só os outros entram e saem. Ela fica. Tem seu céu particular, um universo único a disposição. Gentes que vêm e vão. Elevadores cheios. Vazios. Só ela. Sobe. Desce. Desce.Sobe. Ningém sobe!Está descendo!E decide não passar ali de novo, pra quebrar a rotina.Ficar sozinha pra pensar.Ela. E sua multidão. Correria, Stress de elevador. Como deve ser o stress de elevador...? Interessante que a moça pertence àquela figura, parece moldada à argila naquele banco. Precisa decidir. Subir ou descer. descer primeiro e subir depois. Ou vice-versa. Imersa na luz opaca. Som abafado. Várias vozes, conversas, cenários outros. Que ela ouve, vê. Dá bom dia se quiser, mas vezes nem bom dia quer dar. Certa vez, chorava copiosamente. Só eu no elevador. Que cena. Mas admira sua intimidade com aquele percurso. E a queixa da correria. Impacto. Correria? Eu por alguns minutos me vi imersa em sua correria, esquecendo a minha. Imersa em cenário insólito, onde falta figurino, trilha sonora, personagens. Nós, figurantes. Ela, monólogo. Enredo? Nada muito peculiar que mereça um conto, mas espichei um olhar além, observando aquele universo só seu.
Betina Mariante Cardoso

Saturday, July 08, 2006

Tedioso adentrar o branco da página, ficar em branco também. Sem assunto. Busco palavras. Parágrafos. Não são conto, crônica, romance. Palavras. Em branco. Caminho pela folha, percorro labirintos cá e lá. Labirintos em branco. Palavras em branco. E então, a escrita. O branco.
Betina Mariante Cardoso

Monday, July 03, 2006

De repente, a mesma rua. Me vi, ali. Todas as idades. Jerônimo Coelho. Entre a Borges de Medeiros e a Praça da Matriz. Nasci ali. E Era assim que anunciava o endereço. Exatamente como me sentia. Entre a Borges e a Praça da Matriz. Ali, meu mundo infantil. A banca onde comprava as figurinhas dos álbuns, a esquina onde esperava o ônibus da escola. Mais. A quadra inteira, meu pátio. Entre a borges e a Praça da Matriz. O percurso até a praça da Matriz, por onde passava. Idas e vindas. Pensava. Já pensava. Um passo e outro. Pensando. E quantas vezes trilhei a calçada. Pra lá e pra cá. Hoje, lajes mais novas do que meus passos por aquela rua. Mais do que a rua. O trecho. Onde tudo vivia. O Edifício Monroe, ali, ainda. Soberbo, agora com vasos de flores na entrada. Mas nada engana. As escadinhas discretas até o elevador, que tanto me transportaram pelas histórias. Idas e vindas, ali também. Todos os dias, do elevador à rua, um momento crucial: "Bom Dia, seu Dino", descendo as escadinhas. Todas as idades. É personagem destes degraus, seu Dino. De cada degrau do tempo em que o Bom Dia do seu Dino me via crescer. E me via a cada dia. A cada manhã. A imponência da entrada. Algo mudada, mas a mesma. Posso resgatar imagens da minha mirada por aquele túnel de degraus, a pouca luz. Num vai-vêm de memórias, fotografias de tantos tempos. E minhas, subindo e descendo. Subindo e descendo no tempo. E o seu Dino, repórter dos meus gerúndios. Com alguma confusão, me fixo no túnel que leva ao elevador. Muita vontade de subir no elevador, até o décimo terceiro andar, e bater a campainha. E atender a porta, como se os tempos se cruzassem, em paralelo. E entrar naquele labirinto. Terraço, meu navio de mundos distantes. Minto. Não é bem vontade. Como uma curiosidade voyeur, de reenxergar janelas inexplicadas. Percorrer a casa. Descer até o primeiro andar, e visitar meus avós. Comer bombons Garoto com Coca-cola, que a Vó Léia sempre mantinha em seu mundo de avó. Por vezes, a vó era um pouco poltrona, também. Ali, ouvindo o tempo passar, as histórias escorridas. Ela, balançando na cadeira de rodas, contando feitos. Vez que outra. Ouvindo, em um silêncio bom. O escritório do vô, com as estantes altas, cheias de livros, a máquina de escrever, verde, sobre a escrivaninha. Sempre com alguma folha esperando acontecer. Personagens. Ainda sinto aquele cheiro do escritório, posso percorrer toda a casa e me lembrar da vó me ensinando o "noves fora" no sofá da sala. Ou o vô, casmurro, digitando seus anseios. Na mesa da cozinha, comendo salaminho com parmesão, pão de meio quilo e manteiga Aviação. E café, forte, quente e doce. Havia um silêncio confortável, casa de avós. E rumores. Entonações muitas. O corredor. O elevador da garagem, de madeira, escuro, com duas portas, uma de cada lado. Assombroso.Outro personagem da história, o elevador. Tinha seu cheiro, também.Tinha muito de tudo. E percorria todos os andares. Todas as mudanças, histórias, maledicências. O elevador da garagem era jocoso, não soberbo como a entrada do Monroe. Sabia de tudo, escutava calado. Em suas paredes, ria. Com alguma complacência. Deixava os moradores em seus andares, guardando as palavras, ainda nem ditas. Pensadas. O Monroe teve contos, isso teve. E ainda nem mencionei vizinhos, o viaduto da Borges de Medeiros, cujas escadas tinham o tamanho da minha imaginação. Me viram crescer, como o seu Dino. Passei por baixo do viaduto, tantas vezes, e em tantos momentos. E pelas escadas, que com o tempo assumiram seu tamanho e importância adequados. A minha escadaria, aquela que imaginava, diminuía com os anos passando. Os vizinhos, as calçadas, a sensação do trecho da Jerônimo Coelho entre a Borges e a Praça da Matriz. E hoje isso se esvai, concretamente. Vejo um novo casal, que vai ocupar a casa dos meus avós. A dispensa, onde a vó guardava suas infindáveis latas de azeite de oliva. O escritório, onde os livros do vô me fascinavam, a máquina de escrever, a atmosfera de palavras possíveis. tudo se esvai. Numa mistura de vento e baú. Guardo em mim todas as lembranças, cada linha. E deixo ir. Pelos passos naquela calçada, me vejo a de agora, ora com passos da menina que recém dera bom dia ao seu Dino.
Esse marrom? A cor do elevador da garagem. Faltam as ranhuras do tempo.
Betina Mariante Cardoso